21/04/2025 strategic-culture.su  7min 🇸🇹 #275639

Dei (1969 - 2025)

Bruna Frascolla

Uma coisa interessante da Ordem Executiva de Trump é que ela aponta um fato não muito conhecido do grande público.

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No começo do seu novo mandato, o Presidente Trump emitiu a sua  Ordem Executiva 14.173, com o título "Encerrar a discriminação ilegal e restaurando a oportunidade baseada no mérito". O alvo são as normas de DEI, ou Diversidade, Equidade e Inclusão, que instituem cotas de todo tipo no setor público e privado (pois as empresas que quisessem prestar serviços ao governo tinham que aderir ao DEI, e agora não têm mais). Quais podem ser as consequências de tal decreto? Para responder a isso, é necessário ver as raízes do DEI.

Lyndon Johnson e Nixon contra Luther King

Uma coisa interessante da Ordem Executiva de Trump é que ela aponta um fato não muito conhecido do grande público: que a Lei dos Direitos Civis, sancionada em julho de 1964 após a campanha liderada pelo Pastor Martin Luther King, de fato era color blind e visava à igualdade de oportunidades. A direita libertária criou a narrativa de que toda lei antirracista tende inerentemente ao wokismo, mas isso é falso. Nixon foi quem criou as affirmative actions, isto é a discriminação racial que privilegia não-brancos, e que, portanto, está contrária à Lei dos Direitos Civis. A Suprema Corte reconheceu isso em 2023.

O neorracismo dos EUA (que troca o supremacismo branco pelo vitimismo não-branco) tem sua certidão de nascimento institucional com a implementação, por Nixon, do Plano Filadélfia herdado do seu antecessor imediato Lyndon Johnson. Com a  Ordem Executiva 11.246 de 1965, Lyndon Johnson obrigava as empresas terceirizadas que trabalhassem para o governo federal a contratarem uma quota de "minorias". Houve uma série de contestações legais em aplicações experimentais (a Filadélfia foi o estado-cobaia) e, após uma revisão, o Plano Filadélfia foi implementado por Nixon. Dado que a implementação do Plano Filadélfia começou em 1969, pode-se dizer que o sonho de Luther King só durou cinco anos.

Lyndon Johnson era democrata. Richard Nixon, republicano. Se há uma pauta que une democratas e republicanos, pode-se apostar que é de interesse dos bilionários que financiam todas as campanhas nos EUA. Para dar ainda mais clareza ao quadro, vale mencionar que William F. Buckley Jr., ex-agente da CIA e poster boy do fusionismo (liberal-conservadorismo), passou da defesa do Apartheid (na África e nos EUA!) às defesa das affirmative actions... porque  era preciso enfrentar os sindicatos racistas.

De fato, os sindicatos dos EUA têm um grande histórico racista - porque os próprios EUA, enquanto nação, o têm. Além disso, os EUA têm a tendência de se fechar em comunidades. Essa tendência se refletia na dificuldade de criar um sindicato nacional que unisse trabalhadores de todas origens étnicas. O autor de tal façanha foi o imigrante judeu inglês Samuel Gompers, que em 1886 fundou a American Federation of Labor, veementemente contrária à imigração. O histórico dos EUA é o de os trabalhadores organizados, WASP, pressionarem os patrões, e esses, a seu turno, importarem mão de obra estrangeira (de início, irlandesa), que é discriminada pelos WASP e aceita trabalhar nas piores condições. Não à toa, os patrões semeavam rixas raciais entre os grupos.

Assim, podemos entender que os capitalistas dos EUA pegaram o limão do antirracismo para fazer uma limonada: desmoralizaram os sindicatos e fortaleceram tensões raciais entre os trabalhadores.

Travestis pra todo lado

Hoje, os trabalhadores sindicalizados  não chegam a 10% nos Estados Unidos. O seu declínio começou na década de 1950, e na década de 1980 essa proporção caiu mais rápido. Assim, quando Obama chegou ao poder, em 2009, não fazia mais sentido ter uma estratégia focada na destruição dos sindicatos. Não obstante, foi sob os seus auspícios que a identity politics se tornou a ideologia oficial do país e de boa parte das esquerdas ocidentais. O primeiro governo Trump (jan. 2017 - jan. 2021) não mexeu nisso, e os EUA ensinavam teoria de gênero para afegãs no seu mandato. Com Biden (jan. 2021 - jan. 2025), o wokismo alcançou o seu ápice. Embora a agenda racial continuasse na ordem do dia, o principal assunto era o da ideologia de gênero. Travestis tinham que ler histórias para crianças em bibliotecas infantis, crianças trans tinham que ser castradas o mais cedo possível, o DEI passou a contratar tarados com fetiches que lhes davam direito a cotas. O exemplo mais bizarro de toda essa febre é  o uso do chat da NSA por funcionários LGBT, contratados por DEI, para discutir em horário de trabalho os seus fetiches com as mais bizarras cirurgias genitais e relacionamentos poliamorosos. A essa altura do campeonato, o espírito de Luther King nem assombrava mais: tinha ido comprar cigarros e nunca mais voltara.

Refletindo deste canto do planeta (o Brasil), parece-me que se tratou de uma tentativa de regular o mercado e definir bem uma esfera de influência dos EUA. A sigla chave para isso nem é DEI, mas sim ESG, muito mais longeva e que acabou de sair de moda. O Brasil é um país mestiço no qual nem sempre é possível dizer se alguém é negro ou branco. Além disso, a despeito da escravidão, mestiços de evidente origem africana chegaram aos mais altos postos de prestígio até mesmo quando a escravidão estava em vigor. Não obstante, desde a Conferência de Durban (2001), o Brasil foi assediado para criar políticas reparatórias que assumiam a forma das affirmative actions do governo Nixon. Diante da dificuldade de classificar mestiços de três matrizes (europeia, ameríndia e africana) como brancos ou negros, a burocracia criou tribunais raciais que desde o início, em 2007,  identificou um gêmeo univitelino como branco e outro como negro. Como parte do quintal dos EUA, o Brasil oficial teve que negar sua própria história e aprender a classificar as pessoas de maneira birracial, como no Norte.

O ESG, ou Governança Ambiental e Social, é um selo usado pelo mercado financeiro para privilegiar as empresas que adotarem DEI e seguirem a agenda verde. Em parte por isso (e em parte para apresentar o liberalismo como única solução para o racismo,  como vimos aqui), foi necessário uniformizar as culturas artificialmente, de modo que um selo concebido numa cultura separatista que tem claros critérios raciais de classificação pudesse ser aplicado também no Brasil.

O futuro

A Ordem Executiva de Trump, de janeiro de 2025, anulou a de Lyndon Johnson, de setembro de 1965. Foram quase sessenta anos disso. Sem dúvida, é alvissareira a morte do neorracismo e do privilégio a identidades de gênero para lá de esquisitas. De modo imediato, o que pudemos ver foram as grandes empresas empresas dos EUA fechando seus departamentos de DEI. Bill Gates pôde economizar dólares e continuar com contratos com o governo.

O próprio Bill Gates era um entusiasta do selo ESG. Se a função do ESG é privilegiar empresas dos EUA alegando que as demais são ruins porque são racistas, homofóbicas e atentam contra o meio ambiente, é bem possível que o papel possa ser desempenhado com a agenda verde sozinha. Logo, é possível que, na economia mundial, tudo fique como dantes.

Porém, há um impacto político relevante com o fim do DEI. Os agitadores profissionais que ganhavam empregos públicos e cargos empresariais na base do grito perderam poder. Isso contribui para a paz social e, por conseguinte, para a criação de debates construtivos em países sob esfera de influência norte-americana, como os da América do Sul e da Europa Ocidental.

Tanto meu canto do mundo quanto a Europa Ocidental mostram que há uma aposta na efemeridade de Trump 2. Ainda assim, mesmo que Trump 2 seja efêmero, parece que isso não levara o mundo ocidental de volta aos desvairados anos Biden. Se a loucura da estoniana que quer invadir a Rússia não encontra eco fora do hospício europeu, no Brasil, a corporação hiper-empoderada pelo mesmo grupo, os ministros do STF, já enfrentam sinais de abandono e dão mostras de desvario. Vide o  Ministro Barroso brigando com a  The Economist.

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